É difícil lembrar com detalhes coisas que ocorreram tantos anos atrás, mas recordo de tudo. Estava com meu bodoque, feito de uma forquilha de pitangueira e borracha de câmera de caminhão, bem grossa, sem nenhum risco no cabo. Todos, sempre que matavam algum animal, faziam um traço com canivete na madeira crua. O meu estava liso.
A mata era fechada e muito verde, principalmente na época da primavera. Era um lugar permitido, pois ficava perto de onde morávamos. Cheguei lá disposto a terminar com minha inferioridade. Haveria de usar o canivete muito afiado, que levava nas meias para qualquer eventualidade. Sabe-se lá, havia muitos inimigos, eu é que nunca encontrei nenhum - sorte deles.
Peguei no caminho uma pedra redonda, nem grande nem pequena, pesada o suficiente: a pedra ideal. Entrei pelas trilhas já conhecidas e fui até um lugar escondido, perto de um barranco de cerca de dois metros. Lá embaixo, corria um fio de água. Sentei e permaneci
Agora, cinquenta anos depois, sei a razão desta lembrança estar tão viva. Hoje devo receber o resultado dos exames, da biopsia, para ser mais claro. Parece que tudo que fiz neste meio século não foi importante. Que o resultado, já está escrito com uma letra fria e pontilhada, depende do desenrolar da história do pássaro e não da minha. Então, se é assim, deixe-me terminá-la.
Larguei e ouvi o zunido assassino e rápido. A pedra dilacerou a cabeça do pequeno pássaro. Olhei-o caído no barro com certa curiosidade. Peguei meu canivete e, quando ia marcar o cabo do bodoque, desviei o olhar para ele novamente. Pulei para ficar ao seu lado. Senti-me estranho. Fiz um enterro com direito a cruz e tudo. Pus umas pedras protegendo o lugar e garanto que estão lá até hoje. Neste dia aprendi a chorar de uma forme diferente e não marquei a madeira. Nunca usei meu canivete.
O resultado deu positivo: maligno.
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