As cabeças rolarão, não haverá piedade, clemência ou salvação. Contato e envio de textos: cabecascortadas@gmail.com

O Ilustre e Imprescindível Investigador Alcebíades.

Chegou em casa satisfeito, carregando nas mãos o pesado troféu e embaixo do braço direito a caixinha azul, que guardava uma placa toda em ouro - homenagem da Prefeitura da cidade de São João do Porto ao seu mais distinto investigador.
Alcebíades era seu nome, e nos últimos 22 anos ajudara a pequena comunidade de nove mil habitantes, ao sul de Itararaguá, a manter a moral e a ordem, prendendo criminosos hostis que insistiam em perturbar a paz daquele povo tão pacato e feliz.
Primeiro foi aquele pobre infeliz, o Anastácio, homem trabalhador, assassinado a tijoladas pela amante jovenzinha, que estava grávida. Crime hediondo, um dos primeiros a arrancar o sono dos moradores, que até então só haviam visto violência e assassinatos pela televisão.
Nessa época, Alcebíades era ainda um jovem policial que iniciava sua carreira de investigador. Mal assumiu o posto e já se viu obrigado a resolver tão complexo caso, veja só.
E pouco mais de oito meses depois, outra vítima, outro crime aterrorizante: desta vez uma menininha, Carmelita, morta de jeito tão cruel pelo próprio pai!
São João do Porto foi parar até no Jornal Nacional, e não fosse a presteza e a habilidade de Alcebíades, até hoje os assassinos estariam à solta, representando enorme perigo à população tão idônea.
Seguido deste, outros crimes horríveis assolaram a cidadezinha nos anos seguintes: um morador de rua, queimado vivo por um viciado em drogas. Uma senhora já idosa, que todos os dias levava seu cachorro para passear na pracinha, acabou esquartejada junto de seu animal de estimação pela ex-empregada, que reivindicava mais dinheiro pelos serviços prestados. Uma estudante foi esfaqueada brutalmente pelo ex-namorado. Uma professora apanhou até a morte de um aluno, que dizia estar por ela apaixonado.
Não se sabe o que teria sido da comunidade, caso não pudessem contar com a eficiência de Alcebíades que, com um faro impressionante, descobria os mais obscuros e intrincados detalhes, encontrando provas em minúcias que passariam despercebidas para qualquer outro investigador.
Menos para ele.
Alcebíades comprovou que crimes perfeitos não existiam.
Não se ele estivesse no comando.

Ligou a luz da sala e acomodou o troféu em cima da estante, junto de outras medalhas e condecorações que recebeu ao longo de seus vários anos de serviços prestados. A placa em ouro colocou sobre a mesa de centro, e sentou no sofá para admirar o reconhecimento de seu trabalho.
Sorriu.
Era um cidadão honorário, homem de bem, respeitado e adorado. Poderia até se lançar para prefeito, se quisesse. Venceria facilmente, todos o consideravam um herói.
Um homem que prezava pela retidão e pela ordem.
Não fora fácil.
Chegara na cidadezinha com pouco mais de 29 anos, louco para trabalhar e mostrar sua habilidade para desvendar crimes, tal e qual via no cinema e nos seriados de televisão.
Para isso se tornara investigador: queria encontrar os assassinos, os bandidos, os criminosos, e colocá-los atrás das grades. Queria fazer justiça, as pessoas precisavam de justiça.
Precisavam ver os culpados punidos para continuarem com suas vidas seguras e felizes.
E ele estava ali para isso.

Acontece que São João do Porto não era exatamente a cidade que Alcebíades imaginava para firmar sua carreira brilhante de investigador policial. Tentou durante quase um ano transferência para uma cidade maior, mais violenta, mais emocionante, mais caótica.
Não conseguiu.
Só por isso, precisou cometer os crimes que iria, então, investigar.
E desvendar.

Não era um assassino, era um investigador, disso tinha certeza.
Mas que culpa tinha ele se haviam restringido toda sua perícia e genialidade a uma cidadela que não precisava nem de uma coisa nem de outra, pois não havia crimes, muito menos criminosos?
Até que foi relativamente fácil.
Cidade pequena, gente sem ter o que fazer, sabem como é: todo mundo fala da vida de todo mundo.
Com sua esperteza, logo encontrou quem poderia, potencialmente, ser seu criminoso.
E também quem seria a pobre vítima da vez.
Até por que, qualquer pessoa tem um motivo para matar e outro para morrer. Ele apenas uniu o útil ao agradável.
Assim todo mundo ficava feliz: ele tinha crimes para investigar, e os criminosos sequer precisavam se dar ao trabalho de matar – ele próprio se encarregava disso.
Isso sem falar na comunidade, que se sentia protegida graças a sua astúcia.
Olhou outra vez para a placa de ouro, reluzente, nela gravada em letras garrafais:

Ao nosso ilustre e imprescindível investigador Alcebíades Andrade,
pela competência, honra e coragem,
sempre em busca da proteção e da integridade
de nossos cidadãos.


Sorriu.
Era o ilustre e imprescindível investigador Alcebíades Andrade.
Sim.
Estava satisfeito.

Jana Lauxen escreve: http://www.janalauxen.blogspot.com/, http://e-blogue.com/blogs, http://www.3ammagazine.com/brasil, http://cafeespacial.wordpress.com/, http://www.jornalvaia.com.br/ e http://www.becodocrime.net/
Contato com a autora:
3am.jana@gmail.com