As cabeças rolarão, não haverá piedade, clemência ou salvação. Contato e envio de textos: cabecascortadas@gmail.com

O jantar.

A chuva fina caía e fazia um barulho irritante no zinco da cobertura da garagem. Ela decidiu segui-lo, mesmo não estando com um guarda-chuva. Ele não foi muito longe. Entrou no botequim. Ela ficou a sua espreita, sabia que não demoraria. Ele saiu, olhou para os lados, acendeu um cigarro. Ela pôde ouvir o barulho do dedo correndo sobre a pedra do isqueiro. Sentiu seu coração acelerar, mas ele não a viu.
Ele chegou à porta de um sobrado. Ela riscou o fósforo e levou até o cigarro preso aos dentes. Deu uma longa tragada, segurou e depois soltou uma espessa nuvem de fumaça. Sua cabeça começava a doer.
Ela apagou o cigarro antes de entrar. Pensou em acender outro, mas não quis perder tempo. A luz do corredor era fraca, dava um ar sombrio ao lugar. Ela percebeu a voz grossa do marido. Ouviu uma voz feminina. O sangue lhe correu a cabeça que passou a doer mais. A porta ainda estava entreaberta. Ela espiou. Ele estava cheirando o pescoço da vadia. Depois lhe sentou a mão na bunda; a mulher deu um gritinho de dor e prazer – “Uiuiui”, voltando-se para ele, beijando-lhe a boca.
Não precisava ver e ouvir mais nada. Voltou para casa. Entrou num vulto só. O menino estava fazendo a tarefa da escola. Ela acendeu um cigarro. Passou a mão por entre os cabelos da criança.
O frango que assava no forno estava cheirando. Ela chamou o menino para a cozinha. Pôs o avental, ligou a serrinha elétrica que o safado do marido lhe dera no natal. O garoto deu um grito pavoroso: “Ahh! Ahhh! Tá doendo Nina.” Mas ela não se abalou. Pela dor, o menino deu um último grito: Ahhh! (E caiu no chão desmaiado). Ela sorria, com o cigarro preso no canto da boca.
O traidor chegou. Perguntou o que ela fez para o jantar. Em silêncio ela serviu-lhe o prato. Sentou a sua frente com um copo de conhaque e um cigarro nos dedos. Quando ele acabou de comer, ela perguntou:
- Você conseguiria sentir a diferença entre carne de frango e humana?
- Claro que sim! – Ele afirmou.
- Eu acho que você não conseguiria. – Dando um sorriso de canto de boca.
- O Valtinho não vai jantar? – Ele indagou mudando de assunto.
Ela foi até a cozinha. Voltou com um revolver na mão direita e segurando a cabeça do menino pelos cabelos com a esquerda e a jogou em cima da mesa. Disparou três tiros certeiros no marido. Chegou bem próximo dele e disse: você não distingue nem carne de frango, nem de galinha, nem a carne de seu filho.


Plínio Gomes escreve: http://zingador.blogspot.com/, http://pliniogomes.blogspot.com/, http://blogcabecascortadas.blogspot.com/ e http://universoderetalhos.blogspot.com/

Contato com o autor: pliniogomess@hotmail.com