As cabeças rolarão, não haverá piedade, clemência ou salvação. Contato e envio de textos: cabecascortadas@gmail.com

Balaclava!

Sou como um cão treinado, que andava sozinho pela mata. Fiquei com neurose por causa disso, de tanto matar e não ter alguém do meu lado para abraçar. Viver na mata é duro. Passei doze anos sem voltar. Eu tinha uma barraca, um fuzil e muitas balas trazidas por um helicóptero. Ninguém conhece meu rosto, nem mesmo os comandantes.
É como se diz na corporação: “em boca fechada não entra mosca nem bala". Ninguém conta o que não vê. Meu trabalho era destruir laboratórios para o refinamento de cocaína e craque. Era um atirador de elite. Alguém que se fosse pego, morreria. Eu nem existo, não tenho rosto, RG, muito menos uma tropa na minha retaguarda, a solidão é minha eterna vida.
Minha função era dar um tiro. Ora matava um homem escolhido pelo comando, ora gerava uma explosão, tudo num tiro só. Normalmente a uma distância superior a um quilômetro e meio. Essa era a minha garantia. Sobre as minhas costas, havia uma camuflagem espessa como uma moita, que pesava uns doze quilos, mais uma mochila com mais uns trinta, dependia da quantidade de ração e munição comigo.
Foi o governo quem me ensinou a matar. Dizem que o maior troféu para um soldado do tráfico é o indicador de um atirador. Normalmente somos canhotos, para que eles não prestem atenção na gente. Há uma cultura de que os canhotos são ruins, lembra do tempo da escola? Sua professora não te obrigou a escrever com a mão direita?
Tudo isso é precaução, para que não cortem o indicador certo, caso façam a besteira de capturar um atirador. Isso impede que destruam o nosso chamado: “toque da morte”. Enquanto me locomovia pela selva, eu também sentia pena. Via a miséria e de certa forma, entendia aqueles homens abnegados.
Existem programas em prol dos homens da selva, mas isso é algo cultural, e o tráfico paga por dia, e bastante. Mas isso é uma pena, uma encruzilhada que me mostrava que a perfeição não existe, assim como não há o bem e o mal. É tudo uma questão de posição. Frente a frente, somos iguais, sabia? Existem mulheres e filhos dos dois lados, sorte e desgraça.
Matei mais de quinhentos homens, se somar os tiros, as explosões e as armadilhas que criava na mata. Sim, eu nem entrava em combate, muitas vezes era só cavar um buraco de um metro e meio, cravar uma estaca no centro dele e depois cobrir com uma armação de gravetos disfarçada por folhas secas. É muito funcional, em se tratando de objetivo.
Depois de todo esse tempo, eu não tinha mais senso de que lado estava, e a única coisa que reconhecia de verdade era a morte. Quando fiquei doente, perdi o controle. A esquizofrenia é a única medalha que me restou, e agora eles me puseram aqui, por causa das mortes que causei fora da selva. Primeiro eles foderam a minha mente, e depois me cobraram sanidade, como não tinha, vim para cá, para o mesmo lado daqueles que matei quando esses tiros começaram. E hoje, continuo esquecido, só que fora da selva, dentro de um quadrado de três metros por dois.

Afobório escreve:
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