As cabeças rolarão, não haverá piedade, clemência ou salvação. Contato e envio de textos: cabecascortadas@gmail.com

Paranóia.

Quando a droga ficava escassa, a voz tratava de inflamar o garoto. Não havia descanso.
- Hei, moleque, levanta daí meu.
- Porra! Tem mais uma?
- Eu não quero saber. Quer me deixar a míngua? Matar quem está sempre contigo?
- Nada a ver camarada. Só mais um tapa.
- Não, não, não! Olha lá, tem uma velhinha passando com a bolsa cheia de grana. Assalta ela e compra mais antes que eu morra.
E o viciado atravessou a rua.
- E aí vovó, dá um trocado aí?
- Eu não tenho meu filho.
- E essa bolsa cheia?
- Não tenho dinheiro, já disse.
A velha foi agredida e caiu na calçada. E a sua bolsa foi arrancada rapidamente pelo viciado enlouquecido, que correu sem o menor medo. Quando chegou até a mureta onde dormia, encontrou sua amiga.
- Ah, moleque. Isso aí. Poxa, achei que me deixaria morrer...
- Não, olha só: consegui comprar mais cinqüenta pedras. Mas tive de dar um tabefe na maldita, ela não queria entregar a bolsa.
- É isso aí, a gente tem de pegar o que quer. E depois, aposto que ela usa a aposentadoria para encher a pança de passarinhos com alpiste e de gatinhos com carne moída de primeira.
- É verdade, mas eu já aprendi que não se deve carregar culpa nenhuma, nunca.
- É assim que se fala meu.
- Pode crer. Agora me deixa fumar mais uma.
Enquanto usava o crack, sua cabeça voava; a sensação era como uma martelada no dedo, a fome sumia, a força voltava. Sentia seu corpo mais poderoso do que cinco homens parrudos. Mas em poucas horas o bagulho acabou.
- Porra! Que merda.
- Deixa de onda moleque. Vai, se vira meu. Vai deixar sua camarada morrer?
- Não, deixa comigo.
O moleque saiu alucinado. Ventava, o frio tirava as pessoas da rua. O viciado ficou desesperado, então teve a idéia de ir para frente do hospital. Assim que chegou, pensou: Ah, me dei bem. Olha quanta gente.
Foi até a entrada destinada aos visitantes e encontrou um senhor que abria a porta do carro.
- E aí tio, me apóia num trocado?
- Eu não tenho – disse o homem com a porta ainda aberta.
- O tio, pensa que sou otário? Passa a grana!
E o moleque abriu a porta e grudou suas mãos na gola da jaqueta jeans que o motorista usava. Começou um combate. As pessoas que passavam pela calçada ficavam estarrecidas, mas ninguém tinha coragem de ajudar.
Foi quando os dois embolaram-se no chão, e rolaram até o meio de uma poça. O homem segurava as mãos do moleque que, irritado, soltou uma delas e enfiou os dedos nos olhos do cidadão.
- Ah! Filho da puta – gritava o homem de olhos fechados.
Nesse momento, o moleque grudou uma chave de fenda entre a segunda e terceira costela do tiozinho, que caiu na hora, bem no meio de toda aquela água suja. Depois meteu a mão no bolso e fugiu com a carteira.
Enquanto corria pelo meio do estacionamento do hospital, ninguém se atreveu a impedi-lo. Quando alcançou a avenida, sumiu no meio da multidão. Logo que chegou de volta ao muro onde dormia, encontrou sua amiga.
- Conseguiu?
- Claro que sim, eu não deixaria você morrer.
- Boa moleque, é por essas e por outras que você é meu garoto.

Afobório escreve:
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