As cabeças rolarão, não haverá piedade, clemência ou salvação. Contato e envio de textos: cabecascortadas@gmail.com

Benfeitor.

A vida de meu filho foi fadada ao sinistro, ao obscuro, à morte. É duro para um pai assumir isso, reconhecer um filho, o único filho como um assassino. Mas não como qualquer um, não como os que aparecem nos noticiários.
Tudo começou no dia em que ele nasceu, num ano bissexto, dia vinte e nove de fevereiro. Ao dar a luz, minha esposa não resistiu ao esforço e a quantidade de sangue que perdeu. Queríamos muito um filho. Uma criança traria alegria completa. A gravidez foi arriscada desde o início, não chegou a completar os nove meses.
Depois, quando levado para a incubadora, ficou junto de outras cinco crianças prematuras, que morreram por conta de uma infecção fulminante, a qual surgiu logo após a sua chegada, mas ele nada teve, pelo contrário, parecia que se fortalecia a cada morte que causava. Foi tido como um herói, pelas enfermeiras e médicos, não só por superar as dificuldades de seu nascimento prematuro, mas também por resistir bravamente àquela misteriosa infecção. Eles não sabiam que nosso menino trazia a morte consigo, e eu ali, dividido entre a felicidade de um filho vivo e a tristeza da companheira morta.
O garoto foi crescendo e eu ia me assustando com a sua frieza e capacidade de andar lado a lado com a morte, com a destruição. Todos os animais que ele ganhava eram mortos. Ele quebrava todos os seus brinquedos. Aos cinco anos, quase não falava, era amedrontador, estranho.
As coisas começaram a tomar uma proporção gigantesca quando uma menina apareceu sufocada com um saco de lixo na escola. A menina era coleguinha de meu filho. Eu não sabia o que fazer, tinha certeza de que havia sido ele. Aguardei a poeira baixar e o tirei da escola, na verdade deveria tê-lo entregado a polícia, mas com que provas?
Dentro de casa, ele se tornou mais perigoso, agressivo, asqueroso. E o seu silêncio me incomodava profundamente, eu falava, perguntava, tentava ter alguma conversa, mas ele nada dizia: apenas me olhava com os olhos secos. Era nítido o seu desprezo por mim, seu pai. Seu quarto fedia, ele fedia. Magro, quase cadavérico, sem cor, pálido. Com o passar dos dias, surgiam novas notícias de pessoas assassinadas nas redondezas de nossa casa e de nosso bairro.
Depois que meu filho completou treze anos, esse tipo de notícia aumentou. Ele precisava encontrar a morte que lhe trouxe a vida – uma senhora assassinada a pauladas; um homem com a garganta cortada; gatos e cachorros sem cabeças; crianças asfixiadas; mendigos queimados. A polícia fazia suas rondas e investigações sem qualquer sucesso. Mas eu sabia que era ele. Por isso a angústia, o medo e o horror me perseguiam.
Uma noite, esperei ele sair e fui atrás dele. O vi entrando na casa de três senhoras irmãs e viúvas. Ele entrou pela porta da frente, como se elas permitissem sua entrada. Aguardei um pouco e fui bater à porta. Ele veio atender todo melado de sangue, frio, calculista. Certamente já tinha esquartejado as três. Aquilo era demais para um pai. Peguei o 22 que levava comigo e descarreguei nele. Oito disparos. Seu rosto permaneceu sínico, gélido, mas eu já não sentia mais medo dele. A vizinhança ouviu os tiros e chamou a polícia.
É por isso que estou preso, aguardando meu julgamento há pelo menos três meses. O defensor público disse que não sairei tão cedo. Acusaram-me do assassinato das três senhoras, do meu filho e de outras tantas mortes que aconteceram nas redondezas, todas elas praticadas por ele. O infeliz não deixava marcas, nem digitais em seus crimes, era meticuloso. Logo eu, um benfeitor? Mas ninguém acredita num pai que mata o filho, mesmo que ele seja a própria encarnação da morte, do próprio demônio.

Plínio Gomes escreve:
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