As cabeças rolarão, não haverá piedade, clemência ou salvação. Contato e envio de textos: cabecascortadas@gmail.com

Ela e Ele.

A maldita era branca e o seu apelido era Branco.
Branco por causa dela, a branca.
Cocaína era uma merda.
Mas ele gostava dela, e gostava tanto, que ganhou o apelido: Branco.
E agora, tanto tempo depois, outra vez ela.
A maldita.
Ali.
Tentou disfarçar, mas não conseguia deixar de encará-la.
Era insuportável vê-la e não sentir tudo de novo.
Era sempre tão sedutora e gentil, sempre tão simpática e linda.
Como aquela loira que estava paquerando quando a enxergou ali, perto do sofá.
Se precisasse escolher entre a loira simpática e linda e ela, escolheria ela, sem pestanejar.
Trocaria todas as mulheres do mundo por ela.
Ah cocaína, sua safada.

Querendo se distrair, bebericou um pouco, sabendo que bebericar era o trampolim que precisava para mandar seus 7 benditos meses abstêmios para a puta que pariu.
Olhou para os lados e tentou, desesperadamente, encontrar alguma coisa que lhe prendesse a atenção, e tirasse seus olhos, seus pensamentos e seu nariz - que já começava a escorrer - dela.
Nada, não havia nada.
Não podia cair outra vez na sua lábia.
Lembrava bem, não tinha como esquecer: eram noites divertidíssimas ao seu lado, e Branco se sentia o maior e o melhor, entre todos.
Ela o fazia sentir-se assim, superpoderoso.
E por isso ele a queria, por isso a desejava com tanta angústia.
Só que, de repente, ela sumia.
Desaparecia e o deixava completamente sozinho, passando mal.
Levava seu dinheiro, e não foram poucas às vezes em que levou também sua dignidade.
Então olhava pela janela do seu quarto, vendo o sol pálido da manhã entrar como um intruso, e ele ali: sem cigarros, sem sono, sem noção, pensando nela, nela, nela.
Era horrível.
Nessas horas, jurava:
- Nunca mais, essa pistoleira de araque!
Ela que não venha para cima de mim, pois a mandarei para o inferno, lugar de onde nunca deveria ter saído.
Que nada!
Bastava ela aparecer, outra vez sedutora e gentil, e ele ia.
Ia com ela.
Ia sabendo que voltaria sozinho, de qualquer maneira.
Então inventava desculpas para perdoá-la:
- Estou triste, tenho que esquecer.
- Estou feliz, tenho que comemorar.
E mentia, mentia muito, mentia o tempo todo.
Por causa dela, e da falta que ela o fazia, se tornou um sujeito agressivo e mal humorado.
Quando não estava com ela, não queria estar com mais ninguém.
Porque ninguém era como ela.
Maldita cocaína.
Um dia deu um basta!
Trancou-se no quarto e avisou a mãe:
- Passe a comida por debaixo da porta e não me deixe sair sob nenhuma hipótese.
A mãe acatou, sabia da paixão do filho pela danada.
E lá Branco ficou, tentando deixar de ser o Branco para voltar a ser o Marcelo.
Era Marcelo seu nome de batismo?
Quase nem lembrava mais.
Passaram 4 meses.
4 meses no mesmo quarto, Branco versus Marcelo.
Marcelo ganhou, pelo menos aparentemente.
Saiu vitorioso, e chorou quando enxergou a rua pela primeira vez, depois de todos aqueles anos de devoção total a ela.
Anos em que não viu nada além dela.
Pensou que estava curado.
Maldita cocaína.
Agora de novo, ela ali, mais uma vez.
O encarando, o seduzindo, o chamando:
- Branco.
- Branco.
- Branco.
- Meu nome não é Branco!
É Marcelo.
Era Marcelo?
Sim, era, e disso ele não podia esquecer.
Tentou rememorar, com ansiedade, tudo o que ela lhe fez passar.
Não a perdoe, não a perdoe, não a perdoe.
Ela não merece uma segunda chance.
Ela mente, é uma desvairada.
De tudo isso tentava se convencer, e Branco, renascido das cinzas, lutava mais uma vez com Marcelo.
Acontece que Branco era desleal.
Chutava no saco, dava rasteira, apunhalava pelas costas, atirava areia nos olhos do oponente, que tentava jogar limpo.
Pior era ter que ver ela ali, ainda por cima torcendo contra.
Contra Marcelo.
Que, cansado, pediu água e levantou a bandeira.
Bandeira branca, igual ela.
Resolveu se entregar.
Branco aproximou-se da mesa onde ela, soberana, repousava.
Vencera a peleja; com ela era realmente o maioral.
O mais forte.
O dono da situação.
O cara.
- Querida, que saudade.
Então sentiu.
Antes do primeiro aconchego e da primeira cafungada.
Uma dor de barriga lancinante, uma diarréia incontrolável.
Soltou dois ou três peidos, detectados pela audição e pelo olfato de todos que estavam por ali, com ela.
Tentou correr para o banheiro, mas já saiu se cagando por entre as pessoas que abarrotavam a sala.
Foi um fiasco.
A festa toda parou para ver Branco e suas mil flatulências.
Até a loira simpática e linda que foi trocada por ela agradeceu a Deus pelo fora que levou.
Branco, o fracassado.
Perdeu a batalha, por fim.
Deveria saber que todo bom jogador sabe que não se ri por último, quando não se é o último.
Marcelo, afinal, tinha lá seus truques.
Truques sujos, além de muito mal cheirosos.
Maldita cocaína.
Definitivamente, não queria vê-la nunca mais.


Jana Lauxen escreve:
http://www.janalauxen.blogspot.com/, http://e-blogue.com/blogs, http://www.3ammagazine.com/brasil, http://cafeespacial.wordpress.com/, http://www.jornalvaia.com.br/ e http://www.becodocrime.net/
Contato com a autora:
3am.jana@gmail.com